quinta-feira, 24 de maio de 2012

MORAL FUNDAMENTAl Frei Ismael Martignago:

MORAL FUNDAMENTAl

Frei Ismael Martignago

01. Em primeiro lugar vejamos a origem das palavras ÉTICA e MORAL.

a. A Palavra ética tem sua origem na palavra grega éthos (ou étos como se escreve comumente). Contudo a palavra éthos tem duas grafias diferentes com o mesmo som em grego. É que o som da vogal e é grafado de dois modos no alfabeto grego: épsilom: (como o número três-3 invertido) e éta: (como um n minúsculo de nosso alfabeto). Éthos escrito com épsilom , significa costume, modo de ser, organização da moradia, hábitos e cultura de um povo. Éthos escrito com éta, significa caráter da pessoa.

b. A palavra moral deriva do latim: mos (costume), mores (costumes). Quem usou pela primeira vez esta palavra foi Cícero, advogado, orador, grande político, filósofo, de romano. Falando da liberdade humana em seu livro DE FATO (sobre o destino), disse que não havia uma palavra exata para traduzir ética, para o latim, resolveu traduzi-la por moral, segundo ele, para enriquecer a língua latina.

02. Para entender melhor o sentido de éthos, quer significando modo de ser, cultura, ou significando caráter pessoal, como, é bom observar, como pano de fundo, que o ser humano, ao organizar seu modo de ser no mundo, deve levar em conta quatro direções ou relações fundamentais:

· o indivíduo, como fundamento;

· o mundo fora, que o circunda;

· o outro, que com ele vive no mundo;

· e o que o transcende, que vai além dele e que tenta responder às perguntas fundamentais: quem sou, donde vim e para onde vou?

O3. Enquanto o homem com os outros, dentro do mundo, vão modificando o mundo e o adaptando a eles, vão construindo o modo de ser, de existir e com isso, vão criando valores, normas, costumes, contornos próprios que dão o tipo de cultura de cada povo. Mas é também nesse caminhar que se forma o caráter individual de cada um. Portanto os dois significados de éthos que analisamos acima, completam-se na formação da ética e da moral de um povo. Os costumes, as normas de comportamento que dizem o que é bom e o que é mal para o indivíduo e para a coletividade, fazem com que compreendamos as intenções mais profundas dentro do mundo existencial e cultural de cada um. É a raiz profunda do humano. A sociedade em relação com cada indivíduo humano, é-lhe essencial para seu desenvolvimento como pessoa humana. A convivência com o outro e com os outros, não pode ser dispensada. Portanto seu comportamento e seu ser individual tem a ver com os outros dos quais ele depende e pelos quais também é responsável, dando-lhe o caráter de um animal moral, isto é, de quem deve responder pelos seus atos e atitudes perante os outros. O que ele faz ou deixa de fazer é julgado segundo um parâmetro de valores aceito pelo senso comum.

04. Podemos então definir ética, que deriva de éthos, como costumes, comportamentos e regras a que a pessoa humana deve se ater, porque ele não está sozinho no mundo como demonstram as quatro dimensões acima apontadas.

05. Moral tem o mesmo significado e sentido de ética. Como a ética, Moral tem uma parte que é ciência, enquanto estuda os valores de maneira teórica, sejam eles racionais ou religiosos, com metodologia de pesquisa científica. Ao mesmo tempo, organiza-os como prática, nas diversas dimensões da vida humana particular ou societária. Portanto, ela também é uma prática. Santo Tomás de Aquino, no desenvolvimento da ética, trata dos princípios gerais e teóricos na primeira seção da segunda parte de sua Suma Teológica, e, da parte prática, na segunda seção da segunda parte de sua Suma Teológica (Suma Teológica é uma obra onde se tratam ordenadamente todos os assuntos atinentes à Teologia).

06. Houve um tempo em que ética e moral tinham sentido e significados um pouco diferentes, embora guardando alguma ligação entre si. Ética era empregada para os valores simplesmente humanos, resultado da reflexão filosófica, como produto da racionalidade humana apenas, ou mesmo como um dever de avançar a reflexão humana, para a adequação cada vez melhor do que a racionalidade pode entender como deveres da pessoa humana, no mundo e na sociedade. Moral era entendida como coerência de doutrina e de vida em relação a uma crença religiosa, aceita como revelada, transcendente ao homem, não alcançável pela inteligência humana, portanto fruto de uma revelação, embora compreensível pela racionalidade. Por isso não se dizia ética evangélica, ética religiosa, ética teológica, como não se dizia moral política, moral econômica. Ética dominava o campo da reflexão apenas racional e o da pesquisa. Moral somente se referia aos valores e normas religiosas. Na atualidade a tendência é empregar os termos ética e moral para qualquer nível de reflexão ou ação quando se trata de valores ou comportamentos humanos.

07. Um outro ponto é a possível distinção entre ética ou moral humana e ética ou moral religiosa. Aqui se trata apenas de ética ou moral cristã. Em si não existe diferença. O que é valor moral ou ético legítimo, vale também para o evangelho. Há valores em todas as áreas humanas. O que é valor em seu sentido amplo? Valor é a qualidade que dá a excelência de uma coisa segundo um parâmetro de valorização. Se no consenso geral se dá ao diamante e ao ouro um valor muito alto, que se traduz também em alto preço, então eles têm qualidades intrínsecas objetivos, que lhes dão maior excelência em relação a outros objetos. Neste caso está se tratando de um valor econômico. Mas no nosso caso específico, fala-se de valores morais e éticos, seja no campo meramente humano, seja no campo religioso cristão. Os valores morais são evidentes e a filosofia ensina que o que é evidente não tem necessidade de ser provado. Valores morais e religiosos não se compram, não se medem e não se pesam. Não há um instituto de pesos e medidas para os valores éticos, morais ou religiosos. É evidente que a honestidade, a lealdade, a fidelidade, a verdade, o amor são valores em si mesmos e quem não os têm procura, ao menos, simular sua prática. Malandro nenhum se achega de uma outra pessoa para dizer-lhe: “vou praticar um estelionato contra você”! Ao contrário, diz: “quero propor-lhe um excelente negócio para você...” Por isso, ninguém, em sã consciência, vai procurar um estelionatário para comprar um imóvel, ou estabelecer com ele uma sociedade. A não ser que queira igualar-se a ele, ou constituir uma sociedade fora da lei. É de bom senso não se casar com uma mulher que se sabe de antemão inclinada à infidelidade. Ninguém vai inteirar-se da verdade de algum fato com alguém reconhecidamente falso ou mentiroso. Esses valores não tiveram necessidade da revelação pelo evangelho para se firmarem como valores absolutos. Jesus mesmo diz em Mt 5,17 que não veio negar nada do que já era bom, mas veio ensinar, com sua prática, a vivê-lo na radicalidade.

08. Que diferença faz então ser cristão, seguidor de Cristo? Em primeiro lugar é necessário que fique bem claro que o cristianismo assumiu todos os valores humanos naturais, porque são bons em si mesmos. Mas Jesus Cristo no anúncio do seu evangelho sobrepôs aos valores humanos um aperfeiçoamento sem limites. Às virtudes humanas acrescentou as virtudes da fé, da esperança e da caridade que são chamadas virtudes teologais, porque tem diretamente Deus como objeto. E Deus é o absoluto. Tomemos por exemplo o que Cristo diz no grande Sermão da Montanha (cps 5-7 de Mateus): “Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau: antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe também a esquerda... (Mt 5,38). O princípio jurídico do “dente por dente e olho por olho”, em si não está condenado por Cristo. No caso, considerando a história do direito penal, temos um avanço. Isto significava que o infrator, ao ser condenado, não podia ser submetido a uma pena maior que o seu crime. Se ele furasse o olho de alguém ou arrancasse-lhe um dente, essa pena igual seria o máximo a que ele poderia ser condenado. Não que isso lhe fosse feito, mas ele não poderia ser condenado à morte por ter furado o olho de alguém. A pena tem que ser proporcional ao crime. Mas para quem segue Jesus Cristo existe algo a mais. Ele age por amor a Deus, pela caridade que ele dedica ao irmão. Aqui entra uma questão importante: a retidão do ato daquele que não crê em Deus é a mesma retidão daquele que crê em Deus. O conteúdo é o mesmo. A formalidade não. Entendemos aqui por formalidade, a intenção, a motivação, a finalidade. A retidão do cristão, sendo a mesma daquele que não crê, tem uma outra intenção. É a do projeto de Deus sobre ele e sobre o mundo. É a finalidade do reino de Deus. O homem para Cristo não é a finalidade última para si mesmo. Sua finalidade transcende seu próprio ser. O mundo é provisório porque um dia será superado pelo reino eterno de Deus. A fé traz uma finalização, uma visão, uma cosmovisão bem amplas que vão além da criação de um mundo justo, bom, fraterno. Se conseguirmos implantar um mundo assim, o reino de Deus já chegou, porém não no seu sentido total e permanente. Ainda estaremos no provisório. Isto terá um esclarecimento melhor logo adiante. E neste ponto é necessário uma compreensão responsável do que Cristo está ensinando. Em primeiro lugar, as atitudes individuais que por acaso incluam um extremo heroísmo, por amor a Cristo, que vão além dos valores humanos universais, não podem ser elevadas como lei para toda a sociedade, porque poderiam atentar contra a segurança e a organização da mesma sociedade. Na realidade, se alguém dá uma bofetada numa face de outro cidadão, o ofendido tem até o dever de denunciar o agressor à autoridade competente, porque do contrário estaria cooperando com a impunidade. O amor ao próximo exigido pelo Evangelho, não pode ser confundido com sentimento. Esta confusão leva a equívocos. O amor exigido pelo evangelho é o amor comportamento. Se alguém tem a seu lado um criminoso que acaba de cometer um crime hediondo, Deus não pode exigir que ele tenha para com este criminoso, sentimentos de simpatia. Isto se chocaria com a estrutura psicológica de uma pessoa normal. O que Ele exige é o amor comportamento: não se pode ter contra o criminoso atitudes de vingança, de ódio. Se ele estiver com fome, quem está perto deve dar-lhe de comer. Se está doente, deve acudi-lo em suas necessidades, se estiver tremendo de frio, cobri-lo. O fazer é importante. O amor sentimento passa. O amor comportamento não pode passar e não deve estar à mercê de sentimentos, mas de uma opção de que sempre o discípulo de Jesus Cristo fará o bem ao adversário, ao inimigo, no plano prático, não lhe desejando o mal, mas ao mesmo tempo, não permitindo, através das leis que defendem a pessoa humana, que o mal que ele já fez se estenda a outros irmãos, ou que ele esteja às soltas, porque pode a qualquer momento, trazer graves ameaças à sociedade organizada.

09. Cristo não dispensa os valores humanos. Nem a Bíblia. Tais valores foram codificados muitos séculos antes de Cristo. Hamurabi, um monarca sábio da Babilônia, que viveu em 1600 a.C., publicou um célebre código. Em 1901 foi encontrado nas ruínas da cidade de Susa um monumento. Tem 2,25m de altura por 1,99m de circunferência. Traz 44 colunas com cerca de 3.600 linhas e 250 artigos de leis muito sábias. Traz em cima, uma gravura que representa Hamurabi recebendo estas leis de Shamash, um deus de sua crença, que simbolizava o Sol e a Justiça. Muitas dessas leis são encontradas e assimiladas na Lei Mosaica. Também quando os gregos de Atenas começaram a organizar a vida em cidades, descobriram que a justiça contra os criminosos não pode ser feita com as próprias mãos do ofendido, mas a autoridade que representa a sociedade é que deve fazê-lo. Famílias poderosas vingavam as ofensas perpetradas contra elas, multiplicando a violência e deturpando a sentido da própria justiça. Primeiro veio o Código de Drácon, muito severo. Ainda hoje, quando se fala da severidade de uma lei, diz-se: “é uma lei draconiana”. Depois veio Sólon, que viajara a negócios por várias partes do mundo daquele tempo. Era mais afável e notável pela sabedoria que havia adquirido em suas viagens. Era também muito estimado pelo seu patriotismo. Formou para o governo da cidade um grande conselho que preparava as leis que depois eram votadas pelo povo, em praça pública. Isto era possível porque não se tratava de um grande país, mas para a cidade de Atenas (cidade em grego se diz polis, derivando daí a palavra política). Todos esses valores são apreciáveis. Como o próprio Livro da Sabedoria 8,7 diz: “Se alguém ama a justiça, os seus frutos são virtudes; pois ela ensina a temperança e a prudência, a justiça e a fortaleza, que são os bens mais úteis ao homem na vida”. Aqui se fala das quatro virtudes cardeais. Segundo Platão foram propostas por Sócrates, considerado o pai da ética. Os sofistas que precederam Sócrates, eram homens que haviam desanimado da filosofia porque ela não havia apresentado uma resposta definitiva para os problemas da verdade. As opiniões dos filósofos são sempre muito diversas e até contraditórias. O sofista Protágoras nascido em 481 a.C., em Abdera na Trácia (Grécia), propôs então que o princípio de que o “homem é a medida de todas as coisas; das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são”. A verdade para ele estava no poder de convencimento que alguém possa ter, especialmente na política. Outro expoente da sofística é Górgias, nascido em Leôncio, na Sicília, em 484 a.C. Eram pessoas que detinham grande poder de oratória e de convencimento junto ao povo. Sofismo significa uma arte viciada por erros de argumentação que, ao fim, apresenta como conclusão uma mera aparência da verdade. Na história houve sempre políticos que descaradamente usaram dessa artimanha, fazendo do povo uma massa de manobra. Sócrates nascido em 469 a.C., em Atenas, Grécia, rebelou-se contra isso. Adotou um modo de argumentar semelhante ao da maiêutica (arte da parteira que faz a criança vir à luz). Sócrates ia apontando, através de perguntas, as contradições dos sofistas até colocá-los contra a parede, fazendo nascer daí a verdade. São Paulo que conhecia os filósofos gregos, escreve em sua carta aos Filipenses 4,8: “Irmãos , tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo quanto é puro, quanto é amável, tudo o que granjeia o bom nome, tudo o que é virtuoso e tudo o que é digno de louvor, seja objeto dos vossos pensamentos”. E em I Cor 12,31, completa seu pensamento exortando: “Irmãos, aspirai os dons mais altos. Aliás, passo a indicar-vos um caminho que ultrapassa a todos”. Esse caminho é o da caridade que leva tudo à perfeição, cujo louvor está no capítulo 13 da mesma carta. A visão sobrenatural não nega os valores naturais. A prudência, justiça, temperança e fortaleza de que já se falou acima, Sócrates já as havia proposto como caminho do perfeito equilíbrio humano São chamadas por ele de virtudes cardeais. Isto é, são gonzos ou dobradiças que articulam as portas da vida. A Bíblia afirma todos os autênticos valores humanos e lhes dá uma amplidão maior, enquanto Cristo os assume e os eleva, resumindo-os nas virtudes da fé, da esperança e da caridade. A caridade é a mior porque se confunde com o próprio Deus. Este é o limite de Cristo: “... deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5,48).

10. Os moralistas atuais têm opinião de que a moral cristã não se diferencia da ética humana quanto ao seu conteúdo. Um cidadão honesto e leal, continuará sendo honesto e leal, mesmo que não tenha fé cristã. Antônio Afonso de Miranda, em Moral, Consciência e Pecado, pg. 11, Ed. Salesiana, 1983, diz: “No campo das ações e do proceder, há um ponto em que o homem se auto-realiza enquanto homem. É quando, percebendo as exigências do que é humano, ele se define plenamente por ele, e o encarna em seu proceder. É como uma definição total, global, de viver toda a sua vida agindo e procedendo em consonância com a lei natural que a razão lhe faz perceber. É uma opção pelo bem natural. Opção pessoal e fundamental com repercussões sociais. Isso se denomina intencionalidade humana no agir natural. Semelhantemente, isso se efetua para o homem cristão. É quando, por motivos de fé, de adesão a Cristo, ele abraça todo o conteúdo das exigências éticas humanas e mais as exigências evangélicas, fazendo por elas uma opção fundamental. Esta é a intencionalidade cristã, que caracteriza a moral cristã”. Quem primeiro usou esta expressão: “intencionalidade cristã” foi Joseph Fuchs, moralista da Universidade Gregoriana de Roma, em seu livro Existe uma moral cristã?, pg. 17, Ed. Paulinas, 1972. Segundo ele “A intencionalidade cristã compreendida como decisão por Cristo e o Pai de Jesus Cristo, conscientemente presente no comportamento moral de todos os dias, é considerada como elemento mais importante e qualificante da moralidade do cristão”. Significa que os motivos pelos quais o cristão age, são sobrenaturais e que estão acima das meras categorias humanas, pois age por fé e para imitar Jesus Cristo, com amor (categorias são os modos de a inteligência humana compreender as coisas conforme parâmetros preestabelecidos, p.ex: certos comportamentos que se aproximam ou se afastam daquilo que foi determinado como honestidade - categoria honestidade -, a inteligência os classifica como comportamentos honestos ou desonestos).

11. Antes de realizarmos ou pensarmos alguma coisa, sempre procuramos um princípio que nos dê uma base certa que nos garanta que não estamos errando ou perdendo nosso tempo. Assim com relação à certeza do conhecimento humano, os filósofos procuram o primeiro princípio do conhecimento humano, a partir do qual temos certeza de que podemos conhecer alguma coisa. Um princípio muito usado é o princípio da não contradição. Ele se expressa assim: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo, debaixo das mesmas circunstâncias. O que é, é, e o que não é, não é, dizia o grande filósofo Aristóteles. Outro princípio do conhecimento que se pode usar é o do terceiro excluído: entre o ser e o não ser, não há meio termo. Nada existe algo que seja meio ser e meio não ser. Ou é ou não é. Não há uma terceira realidade entre o ser e o não ser. A partir daí podemos construir o conhecimento humano. Assim também na moral temos que ter um princípio primeiro que seja inabalável e totalmente seguro, para que possamos fazer nossos juízos morais ou éticos. Esta base é chamada de lei eterna. Pode-se pensar que, em primeiro lugar se deva entender como lei eterna os dez mandamentos de Deus, como os conhecemos. A lei eterna, porém, antecede a exposição dos dez mandamentos. Lembremos um fato recente. No início de abril de 2009, um vietnamita, Jiverly A Wong, entrou na Associação Cívica Americana de Binghantom, no Estado de Nova York, e metralhou 13 pessoas, matando-as e depois suicidou-se. Existe o quinto mandamento que reza: não matarás. Contudo, se houvesse aí alguém armado, que percebendo a intenção de Jiverly, não tivesse outra opção a não ser eliminá-lo, para evitar que cometesse o massacre, esta ação de matá-lo seria uma obrigação que se imporia a uma consciência cristã, pois existe uma cláusula pétrea, que não pode ser ultrapassada, por ser um mal absoluto: o inocente não pode morrer vítima de um injusto agressor. Assim como há um outro limite intransponível: o nome santo de Deus não pode ser blasfemado. Isto já está configurado no Antigo Testamento em Dt 6,4-5 e em Lv 19,18: amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e ao próximo como a ti mesmo”. E foi reafirmado por Cristo em Mc 12,31. Na realidade os três primeiros mandamentos se referem a Deus e os outros sete ao próximo. Mas, antes de tudo a lei fundamental se expressa assim: faça o bem e evite o mal! Este é o princípio fundamental que gera toda moral e toda a ética. É uma iluminação natural, por isso também podemos chamá-la verdadeiramente de lei natural. Nossa natureza é natureza de um ser racional. O animal jamais será capaz de intuir essa lei, porque para ele só existem os instintos a que obedece, sem nenhuma responsabilidade. Há teólogos que admitem que esta iluminação vem de uma comunicação de Deus com a criatura humana, sua imagem e semelhança, servindo isso até como uma prova racional da existência de Deus. O que é o mal e o que é o bem no momento de cada um agir, é a consciência individual que vai dizer. Daí a importância da formação da consciência. Isto deverá ser objeto de estudo mais aprofundado. Martin Buber, um teólogo judeu, diz o seguinte: “Posso assegurar que nunca duvidei da validade absoluta do mandamento ‘Honrarás pai e mãe’; porém, se alguém me disser que sabe sempre e em qualquer circunstância o que significa ‘honrar’, respondo que este homem não sabe o que está falando. Deve-se interpretar as palavras eternas, e cada um deve fazê-lo com sua própria vida”. (Congresso de Moral em Roma, 1965, em Hubert Lepargneur, pg.14, Fontes da Moral na Igreja).

LIBERDADE MORAL

01. “Activa indifferentia ab intrínseco”: Ativa indiferença que nasce de dentro (da pessoa). Isto significa: a) não estar vinculado a nada e nem por nada, para b) autodeterminar-se. A indiferença aqui não é algo inativo, inerte, mas é uma indiferença ativa, produzida pelo indivíduo que não quer radicalmente ser influenciado, mas tentando dar uma resposta, a mais livre possível. Portanto faz algo por decisão própria. Não toma decisão obrigado por “necessidade”, isto é, obrigado por alguma força intrínseca ou extrínseca. Se houver este tipo de força, este tipo de determinismo, sempre restará para a pessoa um espaço secretíssimo, no qual ele pode dizer um não ou um sim, discordando ou concordando com o que acontece com ele de forma determin ista. O indivíduo pode ser moído, mas tem sempre o poder de dizer, internamente, seu sim ou seu não. Por exemplo, Cristo não se deixou quebrar, não se curvou a nada, nem perante seus acusadores e juizes iníquos, nem diante da dor e nem diante da morte. Foi arrastado para o suplício, foi pregado na cruz. Tiraram-lhe toda possibilidade de ir e vir. Tiraram-lhe aparentemente todos as condições do exercício da liberdade, até de poder falar e expressar-se livremente, mas ele continuou livre. Ele permaneceu intacto na sua coerência, na sua escolha. Mostrou de onde nasce a verdadeira liberdade. Ela não vem do exterior. Mas nasce de uma decisão interior sem ser determinado, nem por forças cegas interiores ou por elementos exteriores. A pessoa humana também pode fazer com liberdade aquilo que é determinante na natureza e que é inevitável aceitar. Na verdade é necessário ter consciência de que a realidade humana é feita de “determinismos” e “indeterminismos”. Jesus encarnado estava limitado por uma família, pela sua cidade, pela cultura do seu povo, sua religião e sua língua. Isto pode ou não atrapalhar ou diminuir a liberdade do homem, dependendo de seu modo de reagir a estas realidades, mas não pode anular sua liberdade essencial, enquanto pessoa humana. Em meio a esta realidade dramática é que a pessoa humana exerce ou cria a sua liberdade. A palavra mais adaptada para indicar esta realidade de encontro de opostos, dentro e fora da pessoa, é dialética (muito usada em filosofia, e indica a procura da verdade por meio de oposição e conciliação das contradições).

O2. Estamos cercados de determinismos que não depende de nós. O indivíduo nasce de pais que não escolheu, tem o tipo físico que não escolheu, não escolheu o país, a cidade, a casa onde nasceu, cursa a escola que pode, e não lhe é possível viver sem a sociedade organizada. Há leis que regem esta sociedade e, enfim, além de milhares de determinações, ele não vive sem os outros. E no entanto deve ser livre.Um dos maiores teólogos da Moral da atualidade, diz em sua “Moral da Atitudes”, Iº Volume, pg. 196, na edição de 1978, Santuário: “A liberdade humana é uma liberdade ‘situada’, uma liberdade ‘encarnada’, uma liberdade que deve ser entendida na tensão entre determinismo e indeterminismo”. Este modo de entender a liberdade humana é um modo equilibrado de evitar dois exageros: o dos deterministas de várias matizes que afirmam que a pessoa humana não tem liberdade, que ela é uma ilusão e que portanto não se pode atribuir-lhe a possibilidade de cometer pecados e o dos teólogos que influenciaram o período histórico desde 1400 até o advento das ciências humanas, como a psicologia, sociologia, antropologia, psicanálise e outras, que afirmavam ser a liberdade humana total. Estes teólogos eram chamados de legalistas ou casuístas. Hoje é possível ter uma noção mais equilibrada. A pessoa humana tem a liberdade humana que é resultante de uma dialética entre opostos. A pessoa pode ter a liberdade essencial e suficiente para realizar um ato responsável, mas seria temerário afirmar sua liberdade absoluta. É uma liberdade situada dentro de suas limitações internas e externas.

03. A liberdade no entanto, é um constitutivo da pessoa humana. É algo de essencial à pessoa humana. Ela não pode escapar a esta realidade. Como ensinava o filósofo Jean Paul Sartre: “O homem é condenado a ser livre”. A liberdade como estrutura da pessoa é algo essencial à condição humana. “O homem é o único animal que, tendo água e sede, é capaz de não beber. Ele é livre e, como tal, imprevisível e criador. Sente-se como uma criatura que deve tomar decisões e assim plasmar a si mesmo. A liberdade é condição de vida moral. Não basta ser bom. É preciso ser bom livremente” (Religião e Cristianismo, texto do Instituto de Teologia e Ciências Religiosas da Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1977, pg. 18).

04. “O ‘ser’ e o ‘ter’. Ninguém é livre de fato, sem ter liberdade. Ninguém tem liberdade senão porque é livre. Mas enquanto ser livre é intrínseco ao homem e ilimitado, o ter liberdade é extrínseco e se limita pela liberdade dos outros” (Dom Antônio Afonso de Miranda, em Moral Consciência e Pecado, pg. 25). A liberdade é um dom e uma tarefa a ser executada. A liberdade que nasce do interior não é dada e nem outorgada. Ela deve ser conquistada pelo indivíduo. A pessoa humana nasce com o poder de ser livre e para viver a sua essência de pessoa deve desenvolvê-la. É um dom e uma missão. O teólogo Joseph Comblin, em seu livro “Vocação para a Liberdade”, Paulus, 1999, pg. 248, diz o seguinte: “Esta é a vocação de cada ser humano: todos são chamados a construir a sua personalidade, uma realidade única , irrepetível, a se tornar um ‘eu’ consistente, ativo, fonte de energia e de ação. Cada um se faz por si próprio e esta é a sua exclusiva responsabilidade”. E na pg. 250 acrescenta: “O linguajar da modernidade enganou: anunciou-se o advento da ‘liberdade total’, como se houvesse meio de alcançar uma realidade tão abrangente. Somente existem liberdades limitadas e é possível, por uma acumulação de liberdades parciais, criar correntes de emancipação e de libertação mais abrangentes. Porém o agir efetivo será sempre limitado”.

05. O mesmo Comblin nos alerta contra a ilusão da liberdade que há em nossa época da pós-modernidade. A modernidade que teve seu início por volta de 1453, com a queda de Constantinopla, hoje Istambul, iniciou a era da tecnologia que, pelo que parece, não terá limites. Criou o livre pensar e a autonomia do homem na liberdade de consciência. Coisas boas, sem dúvida. Mas chegou a pós-modernidade que criou o indivíduo radical, que elegeu a liberdade como a satisfação de todos os desejos individuais. Daí a queda de todos os tabus, sendo em primeiro lugar o tabu do sexo. Deu-se isso na década de sessenta. Tudo deve ser prazeroso e quem pode e está no andar de cima deve livrar-se até do trabalho, que para a modernidade era um tempo sagrado.

06. Diz o autor nas pgs. 231-233: “Então, hoje, o tempo sagrado é o tempo do lazer. A pós-modernidade o sacraliza. Criou-se uma civilização do lazer. Quase metade do ano lhe é dedicado. O lazer seria o lugar da liberdade. No entanto, o lazer também é programado. No início, a ruptura da disciplina do trabalho dá a impressão de libertação. Depois, observa-se que o lazer tem as mesmas disciplinas: disciplina do turismo, consumo programado pela publicidade, das modas, dos jogos, do esporte. Tudo é convenção, tudo é imposição. Todos devem seguir as modas. Todos devem comer pizzas e beber cerveja na mesma hora. Pode ser que inicialmente todos sintam isso como ato de libertação. Depois verão que é somente submeter-se a uma moda. Assim também o Big-Mac, a Coca –Cola, as comidas e bebidas impostas pela moda. Em matéria de roupa, a disciplina é mais exigente ainda. Também as viagens, a vida na praia, as músicas, as danças, tudo é programado e estruturado. Não há espaço para a criatividade pessoal. A liberdade ou a ilusão de liberdade consiste em passar de uma moda para outra. As crianças são os agentes mais rigorosos da programação. Elas exigem o conformismo total: mesma comida, mesma bebida, mesmos jogos, mesmos brinquedos. Ai dos pais que não se submetem ao jugo das crianças... Isto se faz tão necessário como seguir uma programação turística – é indispensável ver tudo o que está escrito no livro: aqui você deve olhar uma velha porta, ali uma pedra que tem 10 mil anos, acolá um velho osso que pertenceu a um cachorro há alguns milhões de anos, e assim por diante. Ai de quem não segue o programa, será censurado pelos companheiros e pelo representante da companhia”.

07. Por tudo o que se tem refletido, percebe-se que não há da parte do homem, um ato moral completamente livre e responsável. O que se pode obter da pessoa humana é uma liberdade e uma responsabilidade moral suficiente para que ela seja um ser moral. Isto é, que decida com responsabilidade. Dadas as circunstâncias da vida o ato moral livre e responsável puro é inalcançável pela pessoa humana.

08. Todo ato moral responsável tem pelo menos quatro aspectos importantes, que é elemento a) pático, que envolve paixão, sentimento, emoção, afetividade. Tem um aspecto b) cognoscitivo, isto é, a pessoa deve ter conhecimento do que faz. Tem o aspecto c) volitivo. A vontade que decide. E tem o aspecto d) executivo, que é ação, a parte prática do ato moral.

09. Marciano Vidal, no primeiro volume, de sua obra Moral de Atitudes, Ed. Santuário, 5ª Edição, 2000, pg. 356, diz o seguinte: “Todo comportamento humano responsável tem uma ressonância pática ou afetiva. A afetividade constitui um elemento muito importante de todo o comportamento humano. Elemento que não se pode eliminar do comportamento responsável. Os sentimentos impregnam toda a ação do homem , e dentro dessa situação há de ser entendida”. O Catecismo da Igreja Católica desenvolve este ponto do seguinte modo: “O termo ‘paixões’ designa as afeições ou os sentimentos. Através de suas emoções, o homem pressente o bem e desconfia do mal. As principais paixões são o amor, o ódio, o desejo, o medo, a alegria, a tristeza e a cólera. Nas paixões como nos sentimentos da sensibilidade, não há bem ou mal moral. Mas enquanto dependem da razão e da vontade, há nelas bem ou mal moral. As paixões e os sentimentos podem ser assumidos em virtudes, ou pervertidos em vícios. A perfeição do bem moral consiste em que o homem não seja movido ao bem exclusivamente pela vontade, mas também pelo “coração” (CIC 1771-1775). Mas acontece que nem sempre é fácil aquilatar o quanto as paixões, os sentimentos e as emoções interferem no agir de uma pessoa, tirando-lhe ou diminuindo-lhe a liberdade. Usar a paixão, a emoção, o sentimento na medida certa, na hora da ação, é próprio da pessoa humana. Dificilmente alguém age só com a razão pura e simples, com frieza total. O pensador espanhol, Ortega Y Gasset diz: “Eu não creio na obrigação, espero tudo do entusiasmo. Sempre é mais fecunda uma ilusão que um dever. Talvez o papel de um dever seja subsidiário; a obrigação e o dever talvez façam para encher vazios da ilusão e do entusiasmo” (Citação de Marciano Vidal, no rodapé da página 360, em obra já citada). Parece ser uma observação exagerada, mas faz sentido.

10. Um outro fator de bastante peso na construção de uma moral livre e responsável é o do conhecimento. Ninguém pode amar o que não conhece. Só um alienado abraça uma causa sem conhecê-la bem e sem avaliar suas conseqüências. O conhecimento não pode ser apenas sobre as aparências externas, quando se empenha uma vida num ideal. Como diz Marciano Vidal: “Em todo comportamento humano responsável tem de haver conhecimento; para que o agir humano esteja autopossuido, e, portanto, seja um comportamento responsável pela pessoa, deve estar auto-iluminado de dentro do próprio homem” (Obra citada, pg. 360). Tal conhecimento não se dirige à verdade em geral. É claro que a verdade de tudo deve sempre interessar ao cristão. Mas para o agir moral é necessário o conhecimento dos valores. Valores humanos dos quais já foi falado, juntamente com sua potencialização advinda da revelação da Palavra de Deus e de sua intencionalidade que faz a diferença. O conhecimento dos valores morais para o cristão inclui a iluminação que vem do Evangelho, não para negá-los, mas para torná-los mais claros e ainda mais atraentes à razão. No Evangelho de São João isto aparece da seguinte maneira, quando de uma discussão de Cristo com os judeus, que pretextavam conhecer toda a verdade: “Se eu não tivesse vindo e não lhes tivesse falado, não teriam pecado. Mas agora não há desculpa para o pecado” (Jô 15,22). “Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas agora dizeis: ‘nós vemos’. E vosso pecado permanece” (Jô 9,41). Antes já havia dito: “... conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). O conhecimento dos valores morais é um pré-requisito para a liberdade humana, pois se não há conhecimento do bem, também não haverá liberdade humana. Mas o simples conhecimento não significa ainda uma vivência dos valores morais. A vida moral responsável e livre, necessariamente deve conhecer o que pretende amar e praticar, mas é necessário também assumi-lo. Daí passamos para um outro ponto indispensável.

11. Diz Marciano Vidal: “Em todo o comportamento responsável tem de intervir a atividade volitiva da pessoa. É preciso esta instância que dá sentido e unificação aos outros elementos. Poderíamos dizer que a formalização do comportamento humano enquanto responsável é dada pela intervenção da atividade volitiva” (pg. 363). Os animais acham-se dentro de sua realidade biológica e para eles bastam suas tendências instintivas para sua ação. Todas as tendências animais estão no substrato do ser humano, porque também tem sua parte animal. Mas para o homem isto não basta para que ele se defina como homem. A vontade do homem não é uma potência completamente cega que não seja capaz de tender para aquilo que o define como homem. Entre as diversas alternativas da realidade onde deve agir já tem uma tendência para aquilo que é o bem para o homem. Apenas que abandonada a si mesma, não será suficiente para decidir um ato humano legítimo. Para sua formalização como ato humano tem de servir-se dos elementos páticos, dos dados do conhecimento, da parte volitiva e da tendência para a execução. Esta divisão é apenas uma maneira para se entender melhor o mistério do ato humano, porque na realidade mais íntima da pessoa humana, essas coisas são indivisíveis, formando uma só unidade, sem um antes e um depois no tempo.

12. Diante de algo que atrai a pessoa humana ela não sente apenas atração sentimental ou até paixão por ele. Ela quer conhecer, não só o que deseja, mas quer também com ele interagir. Esta interação é o que se chama em moral, “execução”. Esta interação vai além de um ato isolado, mas em se tratando de valores morais e humanos, transforma-se numa ação contínua ou até numa reorientação da vida, num empenho que induz a uma “formatação” de uma nova dimensão de vida.

OPÇÃO FUNDAMENTAL

01. Opção fundamental é um elemento relativamente novo na reflexão da Teologia Moral atual. Todos têm várias finalidades que querem alcançar na vida. Crescer, estudar, preparar-se para assumir uma função na sociedade, constituir uma família, ter sucesso em seus intentos. Mas se alguém para um pouco, e reflete na vida, não é difícil perceber que se não houver uma finalidade última que justifique tudo e dê uma unidade a todas as coisas que vão acontecendo na vida, a realidade torna-se complicada, fragmentada, sem unificação em direção de um ponto. O que é essa finalidade última, isso depende de cada um. Cada um deve eleger e procurar saber o que vale a vida. Jesus Cristo mesmo perguntou uma vez: “O que você dará em troco de sua vida”? Então cada um, consciente ou inconscientemente faz uma opção, uma escolha por algo que representa o tudo de sua vida, a que ele vai referir tudo o que realiza e ambiciona. É a opção fundamental.

02. Para o cristão ela designa a decisão definitiva que ele faz por Cristo, pelo que Ele é e pelo que fez e revelou. Uma opção por Ele como Senhor e Salvador e dono da história e como revelação definitiva de Deus.

03. Esclarecendo mais, citamos Pe. João Batista Libânio: “É a escolha que o homem faz em relação a seu último fim. Não é um ato como os outros. É aquele ato com cuja colocação tudo acontece . É um ato que abraça todo o homem, toda a sua vida. A sua existência recebe pela opção fundamental uma orientação pela qual todo o homem se torna bom ou mau. Ele se coloca todo nessa decisão” ( J. B.Libânio em seu livro Pecado e Opção Fundamental, Ed. Vozes, pg. 54). Marciano Vidal, em obra já citada, pg. 224 diz: “A opção fundamental refere-se ao conjunto de toda a existência humana. É uma decisão de tal densidade e que abarca totalmente o homem, dando orientação e sentido a toda a sua vida. É distinta dos objetivos triviais. É uma entrega totalizante: o “sim” ou o “não” da pessoa. Toda vida moral deve ser julgada a partir da profundidade da opção fundamental”.

04. A opção fundamental que também pode ser chamada de decisão fundamental, é atualizada pela intenção fundamental. A intenção fundamental perpetua a opção fundamental nos atos fragmentários e nas outras escolhas que a pessoa faz e que constituem a tessitura de sua vida. A opção fundamental está implícita no agir moral correto da pessoa, sem que ela tenha que refletir a toda hora em sua opção geral. Contudo, é nos atos que a opção fundamental é demonstrada. Do contrário seria uma abstração de boa intenção, sem que a vida tenha ligação com a decisão fundamental. De certa maneira pode-se encaixar aqui o que diz São Tiago em sua Carta 2,14: “Meus irmãos, se alguém disser que tem fé,mas não tem obras, que lhe aproveitará isso? Acaso a fé poderá salvá-lo”? A opção fundamental é uma atitude moral que implicitamente rege as demais escolhas e atos da vida e lhes dá consistência como ato humano.

MAL MORAL – PECADO

01. Nosso ponto de partida para nossas reflexões sobre este assunto é a Bíblia. Logo no início encontramos um ato de desobediência dos primeiros humanos à ordem de Deus: “Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas, da arvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás de morrer” (Gn 2,16-17). Este não é o momento para fazer a exegese deste trecho. Já se fizeram muitas interpretações. Muitas são sérias, outras bizarras e sem sentido algum. Para se fazer uma exegese dum trecho como este é necessário conhecer a fundo os gêneros literários em que a Bíblia foi escrita. No entanto fizeram até marchinha de carnaval que na realidade não passa de folclore, falando de maçã e de outras coisas. Não se trata de maçã e este trecho nada tem a ver com aspecto sexual. É uma linguagem mitológica que nos revela algo de muito trágico para a humanidade. A humanidade tomou um caminho que não era o de Deus e as conseqüências foram arrasadoras. São Paulo nos três primeiros capítulos de sua Carta aos Romanos descreve esta tragédia. Mas no capítulo quinto diz: “Eis porque, como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5,12-13). Logo adiante acrescenta: “Se pela falta de um só todos morreram, com quanto maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo,se derramaram sobre todos” (Rm 5,15). Aqui se trata daquilo que se convencionou chamar de pecado original. Não é um pecado pessoal porque se trata de uma herança, mas todo e qualquer homem está solidário neste pecado enquanto dele participa no mal moral que pratica, individual ou coletivamente. Não é um pecado pessoal, mas ele inclui uma fraqueza em cada pessoa que pode levá-la a pecar. É uma energia moral negativa. Fala-se aqui do mal moral e não do mal físico. Se acontece um terremoto, se um vulcão explode, se há um tutsiname, estes são cataclismas que não derivam do pecado de alguém, ou de um povo e nem da humanidade. Tais fenômenos derivam da própria natureza e da evolução do universo. Contudo há sim males físicos que dependem do homem e de sua desordem ou até de sua maldade moral. É uma desordem física que se transforma numa desordem moral interna e culposa de quem a provoca. Os homens responsáveis pela destruição do meio ambiente, provocam um mal físico ditado pela desordem moral que se traduz em gestos de ganância pessoal não levando em conta o bem comum. Basta pensar numa lei que já foi promulgada há alguns anos, mandando baixar o teor de enxofre no óleo combustível e que não foi regulamentada, e hoje se calcula, que só na cidade de São Paulo, morrem oito pessoas diariamente em conseqüência direta ou indireta do envenenamento do ar. É lícito pensar que os responsáveis por tal maldade tenha que prestar contas a alguém, por este mal. Não é um fato físico indiferente e produzido pela natureza. Aí há uma decisão humana que atenta contra a vida, um mal totalmente possível de ser evitado.

02. Esclarecendo mais este ponto, lemos na Primeira Carta de São João: “Se alguém vê seu irmão cometer um pecado que não conduz à morte, que ele ore e Deus dará a vida a este irmão, se de fato, o pecado cometido não conduz à morte. Existe um pecado que conduz à morte, mas não é a respeito deste que eu digo que se ore. Toda injustiça é pecado, mas há um pecado que não conduz à morte” (I Jo 5,16-17). Também está claro no Evangelho de São João que existem pecados pessoais: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo . Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,22-23). Não se duvida que o pecado é um dos temas centrais da Bíblia. São Paulo diz ma I Cor 15,3b: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as escrituras”. Em Mt 26,28: “Isto é o meu sangue da Nova Aliança que é derramado por muitos para a remissão dos pecados”. No final do Evangelho de Lucas 24,46: “Assim está escrito que o Cristo devia sofrer e ressuscitar dos mortos ao terceiro dia, e que em seu nome, fosse proclamado o arrependimento para a remissão dos pecados de todas as nações, a começar por Jerusalém”. Para aquilo que se propõe neste estudo, estes trechos da Bíblia são suficientes.

03. Há diversas expressões na Bíblia que indicam o pecado. Como sentido geral, o pecado na Bíblia é sempre o rompimento da Aliança de Deus cometido culposamente por seu povo, seja no Antigo ou no novo Testamento. No Antigo Testamento a palavra Hattá (em sentido mais externo), significa erro de alvo, transgressão em relação ao código da Aliança. Awôn (sentido mais profundo, interior), significa algo que está torcido, desviado ou terreno propício àquilo que não presta. P.ex.: Jr 33,8 “Eu os perdoaria de suas iniqüidades (awôn). Pésha, separação, rompimento por revolta, P.ex.: Is 1,2: “Filhos eu criei e os fiz crescer, mas eles se rebelaram (pésha) contra mim”. No Novo Testamento encontra-se a palavra grega amartia: pecado, 171 vezes; Asebéia: impiedade; anomia: iniqüidade; adikia: injustiça; parábasis: transgressão. Todas estas palavras indicam o fato de não se estar de acordo com os planos de Deus ou com o que Deus espera do homem.

04. Três grandes teólogos definem o pecado assim: Santo Agostinho (354-430): “afastamento de Deus e apego às criaturas”. Santo Tomás de Aquino (1226-1274): “afastamento da justa medida”. São Boaventura (1221-1274): “não se deixar moldar-se por Cristo”. Santo Agostinho diz mais extensamente: “O pecado do homem é uma desordem e uma perversão, ou seja, deixar o Criador, que é mais excelente, e converter-se à criatura, que é inferior”.

05. O senso comum leva sempre o povo a protestar contra a impunidade. É muito difícil diante desta manifestação espontânea da opinião em geral, afirmar que não há pecado e que pecado é uma invenção de classes dominantes que querem manipular a liberdade do povo. O clamor do povo diante dos desmandos da classe política, por exemplo, e a exigência contínua de justiça contra as violências, demonstram que há desordens contra a lei e contra a moral que devem ser punidas e que o mal causado deve ser reparado. Não pode haver punição para infrações contra a ordem estabelecida se também não houver liberdade e responsabilidade de quem as cometeu. E a coisa mais comum que se ouve da boca do povo é essa exigência de punição: “Nós queremos justiça”.

06. Se não houvesse pecado, não haveria necessidade de redenção por parte de Cristo. Contudo, com relação à possibilidade do pecado de cada um, individualmente, diz o Catecismo Holandês: “Não se deve pensar que isso aconteça com muita facilidade: o pecado grave não é bagatela. Se de ninharia se faz pecado grave, faz-se , de pecado grave, ninharia. Como disse, certa vez, Santo Afonso de Ligório: quando entra em sua casa um elefante, certamente você o perceberá. Pecados graves não se cometem por engano” (A Fé para Adultos – Novo Catecismo, Ed. Herder, pg. 523).

O7. Admite-se que três são as condições para se haver um pecado grave: a) Que haja um objeto estritamente proibido (prescrito). b) Uma consciência clara sobre a importância (matéria grave) do referido objeto e do rigor do mandamento (advertência). c) Uma vontade livre na hora da decisão (consentimento).

08. Quando se fizer o tratado da gênese da consciência moral e da formação e evolução da consciência moral, serão estudados aspectos mais claros sobre a liberdade da pessoa em seu agir autônomo.